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Poluição sonora? Já pensou nisso?

agosto 2020

O mundo está sentindo na pele as consequências da poluição sonora, mas poucos conseguem identificar como esse tipo de poluição tem agredido a saúde da humanidade. As cidades estão cada vez mais ruidosas e consequentemente, as pessoas mais doentes. O stress é uma das doenças do século. Você já parou para pensar porquê?

Podemos definir ruído como qualquer som indesejável que invade nossa privacidade. Além de ameaçar nossa saúde e produtividade, gera desconforto. Pode ser entendido também como qualquer fenômeno acústico desarmônico.

A percepção quanto aos efeitos prejudiciais do ruído na saúde vem de longas datas; acerca de 2.500 anos, documentos narrando a surdez dos moradores que viviam adjuntos as cataratas do Rio Nilo, no Egito antigo. O primeiro decreto que se tem conhecimento, relativo a proteção humana contra o ruído no Brasil é de 06 de maio de 1824, no qual se proibia o “ruído permanente e abusivo da chiadeira dos carros dentro da cidade”.

A poluição sonora, segundo dados da organização mundial de saúde pública, é a segunda causa de poluição que mais afeta o planeta, ficando atrás apenas da poluição do ar.

Pensar que aproximadamente 120 milhões de pessoas no mundo tem a audição prejudicada pelo ruído, soa meio exagerado, mas é real. Além dos prejuízos na audição, o ruído pode causar perturbações das diversas reações fisiológicas e psicológicas do ser humano, acarretando a uma série de doenças. Decorrente desse efeito poluidor, o stress é considerado uma das doenças do século. Associado a ele, várias outras enfermidades são desencadeadas.

No passado, a maioria das pessoas viviam em casas distantes umas das outras, normalmente em fazendas e sítios. Com uma vizinhança mais afastada e bem menos ruidosa. O advento tecnológico trouxe inúmeros benefícios e também alguns efeitos indesejáveis. A necessidade de mão de obra, a oferta de empregos por salários fixos e benefícios sociais encheram os olhos do homem do campo, transformando sua forma de pensar com relação sua subsistência.

As migrações das famílias do interior para a cidade grande, buscando uma vida melhor e também uma participação nesse processo do “desenvolvimento tecnológico”, abriu porta para novos mercados. A construção civil se viu obrigada a desenvolver soluções de construções rápidas e com menor custo. As pessoas queriam cada vez mais, morar próximas ao seu trabalho, próximas as escolas, próximas a hospitais, e por aí vai… A proximidade aos meios de maior acesso, fez com que crescesse o aglomerado de pessoas em determinadas regiões. As distribuições, nem sempre foram planejadas, onde originou boa parte das favelas.

Em muitos casos, as instalações industriais e comerciais se fizeram antes, e posteriormente, foram instalando pessoas, benfeitorias para atender esse pessoa residente nessa área, daí a pouco, outro grupo de pessoas e assim foram sucessivamente acontecendo as instalações formando as cidades atuais. A busca por atender a demanda dos novos moradores desses polos industriais, fez com que o setor da construção civil buscasse novos materiais construtivos. Em função disso, a tecnologia se mobilizou nesse contexto. Era mais que necessário, mudar a forma de se construir. A crescente demanda exigia economia e rapidez nas construções, não só para o setor habitacional, como também para o industrial, comercial e obras públicas. Foi a partir daí que surgiram materiais construtivos mais leves, arquiteturas arrojadas, redução do espaço habitacional, o que beneficiou muito a sociedade como um todo. O que ninguém previa era o crescimento da poluição sonora e suas consequências.

Os polos industriais ganhando forma, toda a sua volta também cresceu. Alguns sistematicamente, outros de forma desordenada. E com isso, aos poucos, o ruído foi crescendo a cada dia, se tornando uma ameaça invisível e extremamente nociva à saúde das pessoas. O ser humano por si só é uma fonte geradora de ruído. Todo tipo de movimentação humana gera ruído, em maior ou menor escala. O ruído vem do falar, do andar, do comer, do dormir e todas as demais atividades. Com isso, quanto mais pessoas próximas umas das outras, mais ruído. Essa proximidade dos meios de interesse , trabalho, escolas, hospitais, etc, levou ao crescimento ordenado ou desordenado das cidades, estados e países. Falando de Brasil, a cidade mais populosa é São Paulo, com uma densidade populacional de aproximadamente 7,15 mil hab/ km². Em contrapartida no Brasil, país onde a cidade está localizada, estima-se apenas 30 hab/ km². Uma cidade assim, possui um nível de ruído urbano perturbador. Por isso é tão comum ouvir que “São Paulo não dorme”, “Paulista é estressado”, “Tem o pior trânsito do país”, etc.

Esses altos níveis de ruído urbano têm crescido, nas últimas décadas, em uma das formas de poluição que mais tem preocupado urbanistas e arquitetos atuais.

Em fases de desenvolvimento, esse ruído talvez tenha sido ignorado, ou mesmo, por ser invisível, não teve a atenção necessária, por parte dos projetistas.

Um tipo de moradia comum nos dias de hoje são as residências verticais, que possibilitam uma certa “qualidade por um custo menor”. Esse tipo de moradia é a maioria nas capitais. Opção de muitos por vários fatores: custo, segurança, ventilação, solidão, etc. Como isolamento acústico não é uma coisa que se vê, e o que não é visto normalmente também não se vende, muitas pessoas compram ou alugam seus apartamentos e sentem os problemas de ruído depois de instalados. Os problemas são vários… As reclamações mais comuns são “vizinho cantor”, “choro de recém-nascido vizinho”, “objeto do vizinho que cai no chão”, “ruído das instalações hidro sanitárias dos apartamentos vizinhos” e o campeão que é “o barulho do salto da vizinha do andar de cima”… Ahhh… Este… Quem não tem uma vizinha que chega de madrugada com seu salto alto e incomoda o sono leve do morador do andar de baixo? Já ouvi pessoas dizendo “eu poderia pedi-la para andar descalço dentro de casa, mas por educação não farei”. São acontecimentos triviais que elevam o stress do cidadão e consequentemente ao desenvolvimento de outro tipo de doença.

Em 1989, aconteceu na Suécia, um congresso mundial sobre poluição sonora, onde a abordagem do assunto passou a ser considerado como questão de saúde pública. Entretanto, os altos níveis de ruído ambiental já causavam preocupação desde 1981, quando no Congresso Mundial de Acústica, na Austrália, as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro passaram a ser consideradas as de maiores níveis de ruído do mundo.

Nas cidades médias brasileiras, onde a qualidade de vida ainda é preservada, o ruído já tem apresentado níveis preocupantes, fazendo com que várias delas possuam leis que disciplinem a emissão de sons urbanos (FERNANDES, 2009).

O silêncio precisa ser encarado como um direito do cidadão e não apenas como um fator determinante no conforto ambiental. O bem-estar da população não deve ser visto apenas com projetos de isolamento acústico tecnicamente perfeitos, mas, além disso, demanda uma visão crítica de todo o ambiente que vai receber a nova edificação, principalmente o urbano.

As soluções acústicas têm um grau de complexidade elevado, pois envolvem os diversos parâmetros do som (frequência, comprimento de onda, intensidade sonora, etc.). O espaço físico de propagação (dimensões, volume, características dos materiais que o compõem), as atividades desenvolvidas e as pessoas que utilizam o ambiente. Toda edificação tem como função, o atendimento às necessidades humanas, ultrapassando o caráter de abrigo e segurança e constituindo-se como uma extensão do “3 cotidianos”. Dessa forma, é imprescindível garantir condições mínimas de conforto ambiental aos usuários, seja térmico, acústico ou lumínico.

E você sabe o que é conforto acústico? Definido como sendo o limite em decibel que precisa ser respeitado para a preservação da saúde auditiva, tornando o ambiente acusticamente adequado e agradável ao indivíduo. Reflete também a uma sensação de bem-estar, de tranquilidade emocional que se caracteriza pela ausência de sons indesejados ou pela realização de atividades acústicas que não incomodem a si nem aos outros. Essa tranquilidade é extremamente necessária em ambientes destinados ao repouso ou ao trabalho intelectual. Sensação de bem-estar pode ser considerada uma atitude, ou seja, uma forma de agir perante alguma coisa e, neste caso particular, a sons indesejáveis.

Hoje em dia, temos problemas acústicos em todos os setores da vida, praticamente.

No campo industrial, temos o ‘ruído industrial’ que demanda cuidados especiais, uma vez que este gera grandes perdas econômicas ao poluidor. Este tipo de ruído encaixa-se no campo de insalubridade e o seu controle não é só uma questão de conforto acústico, mas de questões econômicas e responsabilidade social. Esse ruído impacta na saúde dos colaboradores como também na vizinhança. Quando os níveis máximos de ruído ocasionados por determinada indústria não atendem as normas vigentes, a empresa em questão está fadada a grandes perdas, que vão desde uma provável baixa na produtividade, até possíveis custos com indenizações de seus colaboradores.

No campo residencial, temos o ‘ruído aéreo’ e ‘ruído de tráfego’, porém o gargalo seria mesmo o ruído estrutural nas edificações. O som viaja no espectro e sobe, atingindo os apartamentos mais altos. Existe uma quantidade de pessoas que procuram amenizar seus problemas de várias maneiras possíveis. Seja instalando janelas acústicas ou procurando outros meios de reduzir o ruído estrutural da construção, por estarem insatisfeitas com suas residências. Muitas vezes, as construtoras capricham nos materiais de acabamento, de forma a encher os olhos dos compradores, mas a qualidade dos materiais construtivos, no âmbito acústico, é na maioria das vezes, ignorada. A norma NBR 15575, veio para tentar regulamentar esses problemas. Veja exemplo de ruídos que incomodam muito nas edificações, na Figura 01.

Figura 01 – Desempenho e acústica de edificações
Fonte: Pró-Acústica – Manual sobre a Norma de Desempenho

No setor escolar, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 001, conforme a resolução que cita a norma regulamentadora NBR 10152:2017, estabelece como nível máximo aceitável para o conforto acústico nas salas de aula valores entre 40 e 50 dB(A). Estudos comprovam que o nível máximo de pressão sonora permitido para dentro de salas de aula (35 dB), recomendado pela American National Standards Institute (ANSI), tem sido ultrapassado corriqueiramente nos ambientes escolares. Ao considerar o nível normal de fala em 65 dB(A) para sala de aula, o ideal na relação sinal de fala/ruído (S/R) seria uma sala silenciosa (40 dB(A)) para manter uma diferença maior que 10 dB em indivíduos com audição normal e, no mínimo, 15 a 25 dB para alunos portadores de deficiência auditiva. Quando o ruído aumenta, esta diferença diminui e a inteligibilidade das palavras fica prejudicada, fazendo com que seja necessário que o professor aumente a intensidade da voz para compensar essa desvantagem. Outro estudo refere uma relação S/R ideal de 30 dB, mas encontrou em salas de aulas de determinadas escolas uma proporção abaixo de 12 dB. Níveis de pressão sonora elevados surgem de fontes externas, gerados por vários condutores, tais como tráfego de veículos, aviões, estabelecimentos próximos a escola, quadra de esportes, pátios, e por fim, de fontes internas, que correspondem a ruídos gerados dentro da sala como a conversa dos alunos, ruídos de mobiliário ou equipamentos elétricos. Vejamos um exemplo na Figura 02, abaixo:

Figura 02: Possíveis fontes de ruído nas escolas
FONTE: MANUAL PROACUSTICA, 2019

A falta de planejamento urbano e arquitetônico tem sido comumente utilizada como justificativa para que as atividades de ensino não ocorram em condições acústicas adequadas. Seja pelo crescimento desordenado de áreas urbanas no entorno das escolas ou por falta de desenvolvimento de edificações com critérios acústicos rígidos. A aplicação de construções específicas que melhorem a transmissão de som e o controle da reverberação é comumente sugerida. A literatura demonstra que níveis de pressão sonora elevados em sala de aula interferem no aprendizado, prejudicando a atenção e a concentração, além de impedir uma comunicação adequada entre professor e aluno. A necessidade da repetição da mensagem, irrita, confunde e cansa o falante e o ouvinte, interferindo na discriminação auditiva e na leitura. Tal dificuldade pode se agravar se houver indivíduos com alterações auditivas, ainda que de grau leve. Assim sendo, a inteligibilidade da fala conceituada pela relação entre palavras faladas e palavras entendidas passa a ser comprometida. O nível da fala, a reverberação da sala e o ruído de fundo são fatores que participam do processamento auditivo. O grau de maturação do sistema auditivo central, a experiência acústica, a posição do ouvinte, os sons refletidos, a idade de aquisição dos fonemas e eventuais dificuldades na leitura e escrita interferem na inteligibilidade de fala. Esse problema de ruído em salas de aula tem sido um tema cada vez mais preocupante no setor acústico, principalmente se tratando de crianças. Vejamos abaixo, na Figura 03, exemplo de sala com e sem isolamento acústico adequado:

Figura 03: Exemplo da diferença entre absorção e isolamento acústico

Fonte: Manual ProAcustica, 2019

O trânsito é outro meio extremamente poluído. Em 2011, o G1 publicou uma matéria sobre o ruído de trânsito, ressaltando a seguinte pesquisa:

“PARIS, 26 Jan 2011 (AFP) -A exposição ao ruído de trânsito aumenta o risco de derrame em pessoas com 65 anos ou mais, segundo estudo publicado na edição online da revista especializada European Heart Journal.”

Essa pesquisa relata uma experiência feita com mais 50 mil pessoas, que constatou que a cada implemento de 10 dB de barulho de trânsito, eleva o risco de derrame em cerca de 14%, para todos os grupos etários. Relata também que as pessoas abaixo de 65 anos, não estão no grupo crítico, porém, aqueles com idade igual ou superior a 65 anos, teve a probabilidade aumentada em cerca de 27% para cada implemento de 10 dB de ruído. Se o valor ultrapassa 60 dB, o risco de derrame passou para preocupante, segundo os cientistas.

“Estudos anteriores vincularam o ruído do tráfego a uma elevação da pressão sanguínea e de ataques cardíacos”, disse o chefe das pesquisas, Mette Sorensena, da Sociedade Dinamarquesa de Câncer.

Sabendo que uma rua movimentada pode com facilidade, gerar níveis de ruído na faixa de 70 a 80 dB. Um cortador de grama ou uma serra elétrica atingem de 90 a 100 dB, enquanto um avião a jato produz 120 dB de ruído na decolagem, é bem tranquilo analisar o quanto tem sido prejudicial para a saúde auditiva de qualquer indivíduo permanecer no trânsito por determinada quantidade de tempo. Uma exposição diária a estes ruídos pode impactar significativamente na saúde de qualquer cidadão. Daí tiramos a máxima de que ‘quanto maior a cidade, mais poluída (em todos os sentidos), e mais doente é a população que se vive ali’.

Outro tipo de ruído que vem sendo bem estudado ultimamente é o ruído aeronáutico. Esta é uma área que requer estudos específicos, pois os seus índices de ruídos são bastante elevados. Sabendo que uma única turbina de avião pode emitir 140 dB quando em atividade, os níveis de ruído produzidos quando em conjunto são muito maiores, com a soma de sons simultâneos, em função das aterrissagens e decolagens de várias aeronaves. Em função disso, deveria ser lei em qualquer país, que todo aeroporto fosse construído em locais afastados dos centros urbanos. Além de prezar pela segurança, seria de grande valia para o sossego de quem vive ao redor.

Enfim, os altos índices de poluição sonora tem deturpado a saúde da sociedade urbana atual. Vale repensar novas maneiras para preservar o conforto acústico de nossas futuras gerações.

Tags: ruído, poluição sonora, ruído urbano, ruído industrial, ruído escolar, ruído aeronáutico, ruído de trafego, ruído residencial.

Por: Mariluza Araujo; Eng. Civil. 

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